Certa vez, ainda calouro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, caminhava juntamente com colegas de classe pelos corredores do famigerado “setor V”. Naquela manhã, nuvens esparsas e um céu azul clarinho tomavam conta dos meus olhos. Os pés de azeitona, roxas e adocicadas ao alcance das mãos, balançavam vagarosamente como que ainda acordassem do breu da noite que se passou.
No meio de uma conversa informal, levantei a vista. Os olhos, antes atentados pelas cores vivas do dia, agora esmoreciam por confrontar-se com aquela figura que aparecera repentinamente. Rugas, pele morena, cabelos grisalhos, uma baixa estatura. Demonstrava cansaço pela idade, mas mesmo assim carregava pesadas sacolas à mão e estava ali, lutando sozinha àquela hora da manhã.
Senti-me tocado sem ao menos trocarmos olhares ou palavras. A distância entre os meus passos e os seus foi diminuindo. Vinha, agora, em minha direção. Olhou-me como se os outros não estivessem ali e falou mais ou menos assim:
- Filho. Já tenho certa idade, mas tenho que pedir. Bato de porta em porta por aqui, pedindo e me humilhando. Alguns professores autorizam que os alunos ajudem, outros não. Você poderia me ajudar?
A minha voz não quis mais sair, os olhos encheram-se de lágrimas, o coração se esvairia numa mistura de ódio e compaixão. Ódio pela desigualdade ali exposta, compaixão pela figura humana. Segurei as lágrimas e respondi com dificuldades que não tinha como ajudá-la naquele momento, pois não possuía absolutamente nada de valor. Olhou-me, agradeceu, seguiu o seu caminho.
Segurei o choro até ela sair da minha vista, após isso não resisti. Chorei sozinho por uns cinco minutos sem ao menos saber o porquê, mas chorei feito criança. Talvez pelo sentimento de incapacidade, talvez pela exclusão que nós mesmos proporcionamos. Nunca esquecerei daquele breve encontro, eu só tinha dezessete anos.